Muitos amigos me perguntam sobre quais edições deveriam comprar mesmo olhando as lindas capas que estão nas livrarias. O que ocorre de maneira prática é que as edições de quadrinhos nas livrarias são exemplares com tratamento superior em que esse tratamento deveria refletir qualidade, correto? Na maioria dos casos, sim. Entretanto, devemos ter em mente que a publicação de quadrinhos no Brasil é, basicamente, a reprodução de histórias do mundo inteiro, além das do mercado nacional.
O melhor perfil que podemos apresentar dos quadrinhos no Brasil é um perfil duplo e em paralelo: ao mesmo tempo, temos uma forte produção de traduções que implicam num esforço de ora traduzir clássicos de outras terras (em especiais e cobrando pelo luxo) e ora traduzir a massa da produção de super-heróis; por outro lado, temos os esforços ocasionais de brasileiros guerreiros que trabalham com quadrinhos e surpreendem muitas vezes com produções que apresentam obras que renovam a estética dessa linguagem.
Atendendo aos pedidos que todos me fazem, inicio desde já uma série dedicada ao que poderíamos comprar nas livrarias (sejam reais ou virtuais) e que serviriam para uma espécie de cânone geral dos quadrinhos pelo mundo. Obviamente, não é um cânone, pois, para tanto, eu deveria me colocar no lugar do Harold Bloom e, apesar de petulante, não me acho tanto assim…
Comecemos, então…
Maus, de Art Spiegelman, é um primor de obra de quadrinhos. Recomendo a qualquer leitor iniciante por alguns motivos que, de tão simples, merecem uma explicação pormenorizada. Maus é uma história em que Spielgman problematiza a questão dos judeus na 2ª Guerra Mundial, até aí, trata-se do tema mais batido do mundo. A apresentação dessa narrativa, porém, mostra como essa história ganha força para os não-judeus e auxilia o entendimento do que foi o Holocausto para esse povo.
A opção de Spielgman é retratar todas as personagens tendo como base arquétipos animais mundialmente conhecidos. Assim, judeus e outros povos que vivem em campos de contração serão os ratos, os aliados são os cachorros e os alemães e austríacos serão os gatos. Basicamente, Spielgman repete a fórmula que gerou sucesso com Walt Disney (e copiada pelo próprio a exaustão), Tom e Jerry, da Hanna-Barbera para os estúdios Metro-Goldwyn-Mayer, e tantos outros por esse mundão de Crom.
Isso não quer dizer que Spielgman mantenha-se na trama gato-e-rato, com os cachorros vindo para auxiliar ao final da trama. Muito pelo contrário, vemos que os ratos são furtivos, se adaptam facilmente a todo tipo de situação imposta e vemos que os gatos, pouco a pouco, vão se tornando mais arrogantes e mais descuidados, além de corruptos todo o tempo. Dessa forma, o choque inicial entre tema e desenho é rompido por uma utilização mais consciente do modelo, ou seja, o retrato dessa época é mostrado com plena força, mesmo com o desenho cartunesco adotado por Spielgman.
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Ainda na vertente política, devo citar Toda Mafalda, de Quino. Seguindo a linha de Spielgman, ou seja, utilizando o cartoon como elemento de sustentação da estética narrativa, Quino proporciona ao leitor uma grande abordagem dos problemas enfrentados pelo povo da América Latina entre as décadas de 1960 e 1970.
A estratégia de Quino é claríssima: ao inverter os comportamentos (crianças agem como adultos e adultos agem como crianças), Quino descontrói, tira a tira, dia a dia, o sistema ideológico por trás dos órgãos de imprensa e da grande mídia. Ambos aparecem não como produtores de informação, mas como uma distorção da realidade dos adultos que veem somente duas opções de trabalho – se homem, proletariado; se mulher, dona de casa.
Mafalda é a personagem central porque critica tudo a sua volta. Praticamente nada escapa aos olhos da pequena menina que acredita que sua formação educacional e tudo o que possa aprender fará com que possa romper a bolha social que a colocaria num sub-emprego ou mesmo, como sua mãe, uma dona de casa.
É curiosa a representação que se faz da Argentina (país de Quino) porque, no fundo, trata-se de uma situação a-espacial. Toda a América Latina (e fodam-se as feministas de plantão) estava, grosso modo, nessa situação. Mafalda conseguia ver além, Mafalda fazia mais do que somente criticar esse mundão de Crom, ela vislumbrava uma sociedade um tanto diferente daquela em que homens se sujeitavam a outros homens e mulheres se sujeitavam a homens.
“Por que vale a pena comprar Mafalda?” O incauto leitor se pergunta... Porque, além de tudo o que já foi dito, Quino mostra-se um mestre na narrativa curta de quadrinhos, conseguindo o máximo de conteúdo com o mínimo de espaço. E mantendo a temática sempre em paradoxo, pois Mafalda era uma criança em todos os sentidos, exceto um – a sabedoria de analisar uma situação e concluir como aquilo poderia influir na sociedade como um todo...
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Inté.
PS: Este post não é patrocinado.
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