Na última semana, tivemos na Caixa Cultural do Rio de Janeiro o evento – Super-heróis e anti-heróis: Dos quadrinhos às telas. Um grande evento envolvendo exibição de filmes, cursos e debates. Como esse blog tem a única intenção de se debruçar com relação às ideias concernentes à produção de quadrinhos, não vou me estender a comentar os filmes e tampouco falar dos cursos que foram amplamente divulgados por blogs de notícias.
Dessa maneira, falarei aqui dos três dias de debate que envolveu alguns dos nomes mais conhecidos com relação à produção acadêmica de quadrinhos no Brasil. O primeiro dia (17/01) marcou o início dessa jornada de debates com Álvaro de Moya e Heitor Pitombo debruçando-se sobre o tema Origem e evolução das personagens, um panorama histórico com relação ao termo super-herói e sobre as preferências dos dois acadêmicos. Álvaro de Moya (ele mesmo, o autor de Shazam!) foi um pouco além do programado e teceu um breve histórico da relação quadrinhos e cinema nos EUA. O crítico apontou que essa relação é marcada pela inicial marginalidade dos quadrinhos no cinema (sendo apresentados como introduções aos filmes principais) e graças à série Príncipe Valente inicia a tomar conta das produções principais na tela grande.
Sobre o tema específico dos Super-Heróis e sua relação com o cinema, Moya deixa claro que Superman (1978) foi o primeiro filme do gênero a desenvolver efeitos especiais para a própria produção. Após esse comentário, o ilustre organizador da Primeira Exposição de Histórias em quadrinhos (1951) relacionou alguns comentários conhecidos de todo nerd com relação a cineastas que adoram quadrinhos, com relevo ao comentário de Fellini que, segundo o professor, dissera que há uma relação de co-autoria entre o leitor de quadrinhos e seus produtores, pois o leitor tem de obrigatoriamente completar as lacunas deixadas pela interação entre os quadros.
Heitor Pitombo, por sua vez, realizou o velho e sempre proveitoso fichamento do mito do herói (Campbell) com relação aos heróis de quadrinhos. Relacionando-a ao comprometimento ideológico dos anos 1940 com o comportamento ufanista americano, Pitombo passa a relacionar à produção de quadrinhos de super-heróis com o comportamento político-ideológico dos EUA durante o século XX, aportando nos últimos 30 anos com a relação entre o comportamento exemplar do herói e dos diversos comportamentos dos anti-heróis.
O segundo dia de debates foi marcado pelo maior de todos, TODOS, TODOS, críticos de histórias em quadrinhos do Rio de Janeiro. Sim, senhores, refiro-me a Moacy Cirne que, acompanhado de Wellington Srbek (ganha um doce quem acertar a pronúncia desse sobrenome), desenvolveram o tema Missão através dos tempos. Moacy inicia sua fala com uma dupla inquietação. A primeira delas refere-se ao Universo Marvel e DC que mostraram nos últimos 20 anos uma enorme evolução imagética, mas pouquíssima ou nenhuma evolução nos roteiros. Em segundo lugar, surpreende a Cirne que não haja produção sobre o tema heroico no Brasil já que o país tem uma enorme pluralidade de personagens emblemáticos.
A solução do problema americano, aponta Cirne, para uma volta criativa com relação ao trabalho que fizera Stan Lee nos anos 1950/1960, que tentou mostrar nos quadrinhos a mudança da mentalidade americana com relação à Guerra (Capitão América seria o maior exemplo). Já com relação à produção nacional de quadrinhos, Cirne propõe uma velha pergunta: Se as histórias em quadrinhos são inegavelmente uma parte da Cultura Brasileira, ela pensa sobre essa mesma cultura? Infelizmente, a resposta ainda é não.
Sbrek inicia sua fala comentando o seu papel como editor da Nemo, uma empresa que está se especializando em adaptações literárias para quadrinhos. Mais uma vez somos obrigados a ouvir uma historiografia dos quadrinhos dos EUA e suas relações com a política e a ideologia dos brothers lá de cima. Um comentário deve ser feito aqui: em todos os casos, a mais recente HQ lida foi a saga Guerra Civil e em todas as falas houve um certo saudosismo com relação aos anos 1970 e 1980 na produção estadounidense.
O terceiro dia de debates foi marcado pela presença de Allan Sieber e Antonio Moreno, falando sobre o tema Dos quadrinhos às telas – Técnicas e Estética. Talvez, o dia mais decepcionante da semana. Antonio Moreno inicia sua fala com a velha classificação das artes (de onde tiramos que as histórias em quadrinhos são a nona arte, lembram?) e o problema do influxo evolutivo de temas e procedimentos oriundo dos anos 1950 com relação à produção de HQ (Fredric Wertham feelings). Para Moreno, isso gerou um congelamento por 20 anos (1950-1970), muito devido ao código de censura. Mas o que mais chamou a atenção em sua fala foi que não houve nenhuma definição do que fosse estética dos quadrinhos ou mesmo algum desenvolvimento técnico com relação a essa arte.
Desculpo-me pela parte com relação a Sieber, mas não pude prestar atenção, muito devido à postura adotada pelo palestrante que preferiu piadas de efeito ou algum gracejo envolvendo palavrões do que propriamente desenvolver alguma problemática sobre as histórias em quadrinhos.
A iniciativa organizada por Dario Gularte e Eduardo Souza Lima merece uma menção à parte, pois ao todo o evento durou duas semanas, envolvendo cursos e a exibição de nada mais nada menos que 31 filmes (entre adaptações e filmes sobre quadrinhos), além dos debates relatados acima. Esperamos, sinceramente, que haja cada vez mais eventos sobre temas nerds no Brasil e esperamos que a qualidade de palestras e debates aumente ainda mais.
Inté.