Shakespeare sentenciou, em uma de suas últimas peças, que o passado é prólogo e o futuro só depende de nós (ou seja, não foi o Criança Esperança que primeiro promoveu essa frase - "Depende de nóóóóóóóóóóós).
Nos quadrinhos produzidos por grandes editoras, o futuro depende cada vez mais de prólogos.
Há poucos anos, a Marvel Comics arregimentou algumas de suas revistas para lançar as sementes do que seria a saga predileta dos fãs, Guerra Civil – divisora de águas no razoavelmente conhecido universo Marvel 616.
Uma desastrosa intervenção dos Novos Guerreiros (é aquela molecada que resolveu fazer um reality show com a apresentação de Pedro Bial GNN), que terminou na explosão de um colégio, serviu como prólogo para uma trama de grandes proporções. Suas consequências reverberaram, num rastro de destruição em nada destoando de um artefato explosivo. Heróis tomaram posições. Parte defendeu o registro obrigatório dos possuidores de habilidades especiais e a outra metade, sem apoio do Estado, passou à clandestinidade.
A Marvel, posteriormente, preparou o terreno para outra saga – Invasão Secreta, com o arco "Infiltração". O que nos leva a crer no poder, ao menos mercadológico, do prólogo, pois, da mesma forma que a história com os Novos Guerreiros, "Infiltração" somente apresenta o evento impactante que culmina na grande saga. Trata-se de uma relação de casualidade que pouco vemos no assim chamado "mundo real".
A mania de antecipar um pouquinho tais eventos se confirma em considerável parte dos casos para além da propalada e reprovável estratégia da Marvel. Dessa forma, o jovem que acompanha HQ's de super-heróis tem de comprar um número indecente de sagas que se espalham por todas as revistas como puro marketing, anunciando histórias que serão publicadas meses depois, "informando" e, desde já, estimulando o leitor a acompanhá-las, quase como aquele traficante que é preso pelas teias de nosso amigo Ebony Spiderman.
Contagem Regressiva, na Distinta Concorrência, reuniu tramas que precederam a terceira e aparentemente última grande ‘crise’ deflagrada no universo DC, a Crise Final. O maior absurdo em termos de periodicidade para uma nação que sofria com o desgaste econômico, mas lindo para um esquema de tráfico. Em cada semana, víamos as desventuras de um descaracterizado Monarca, unido (meio desunido) a um Superboy com sério problemas de sexualidade (afinal de contas, ele desejava ele mesmo em um corpo mais velho) e o mais insípido trio de quatro na busca por Ray Palmer.
A também semanal e mais bem-sucedida série de revistas 52 revelou aos leitores o que ocorreu naquele universo 1 ano depois da anterior ‘Crise Infinita’. Todas as revistas regulares (Superman, Batman, etc) saltaram 1 ano na cronologia após a megassaga, o que torna a referida 52, por si só, um prólogo do que estava acontecendo mês a mês na revista preferida do gordo empaturrado de cheetos nerd de quadrinhos.
Lembraremos, se forçarmos um pouco a memória, ou consultarmos Tempus, que, em algum momento dos anos 1980, quando não havia internet ou novidades vindas do exterior, as revistas de super-heróis da DC na editora Abril vinham com chamadas enigmáticas. Elas anunciavam ao leitor que uma crise estava chegando. Não fazíamos ideia de que aquilo era um teaser, o prólogo do maior crossover de todos os tempos – Crise nas Infinitas Terras, que resetou o multiverso DC (e não, analfabeto! não estou me referindo ao blog sobre notícias da DC Comics... não leu que era nos anos 1980?!) muito antes do recente reboot/relaunch.
E, por falar na ousada aposta da DC, não podemos esquecer que a reiniciada Action Comics nada mais é que o prelúdio das demais revistas recém-lançadas e relançadas dentro do evento The New 52, ao recontar a história do (novamente) primeiro supercara de todos os tempos, e o surgimento de todos os outros. Se bem que... parece que o primeiro não é ele, mas problemas de matemática são com o Sr. Delarue – vocês entenderam o ponto...
O que seriam os retcons nos comics, senão prólogos específicos de consumo e conveniência dos roteiristas? Mas isso já é outra discussão...
Não é surpreendente que exista o mesmo (se é que podemos chamar assim) fenômeno nos quadrinhos europeus. A série Incal, de Jodorowsky e Moebius teve, posteriormente, um prólogo, lançado como Antes do Incal (sem o Moebius).
E, se essas linhas começaram com Shakespeare, terminarão com algo que bebeu de sua fonte: Sandman, o quadrinho escrito por Neil Gaiman. A obra a todo momento lida, relida e relançada – como faz a Panini atualmente – publicando edições definitivas inspiradas nas americanas The Absolute Sandman. Essas edições, de tempos em tempos, apresentam prólogos comemorativos que nada acrescentam ao leitor, mas que o fã de quadrinhos compra porque não tolera seu dinheiro...
Gaiman entrelaçou inúmeras tramas, inspiradas por um sem-número de mitos, religiões e canções universais, tendo em comum a disfuncional e pretensa família dos Perpétuos, e a trajetória de Morfeu, o Príncipe das Histórias. Da mesma forma como sustentou o dramaturgo inglês, somos feitos da mesma substância que os sonhos, e, ao longo de 75 edições mensais, mais especiais – divididas em várias sagas – fomos as saborosas vítimas do nascimento de Daniel.
O título da primeira saga da revista – "Prelúdios e Noturnos" – mostra a preocupação com a estruturação das histórias, tudo se iniciando com a libertação do Mestre dos Sonhos e sua decisão de retomar seus artefatos de poder, então perdidos. É supercalifragilisticexpialidosa a introdução de Estação das Brumas, quando os Perpétuos, convocados por Destino, iniciam uma espécie de reunião de família. Nesta, Desejo provoca Sonho, que toma uma decisão que lhe traria inesperadas conseqüências. Algo como ‘grandes poderes trazendo grandes responsabilidades’.
Mas isso é apenas o prólogo de uma outra história...
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