31 de agosto de 2011

Ias. JIHQ USP – Dia 03 – Enfado e muita coisa interessante

O terceiro dia de trabalhos começou com um certo atraso de minha parte, confesso. Como estava no centro brasileiros de fanboys de quadrinhos, decidi ir ao bairro da Liberdade para comprar algumas camisas e alguns DVD’s de desenhos que não passam por aqui... Mesmo assim, consegui chegar em tempo de assistir o debate (a parte final das apresentações) da mesa 21 de HQ a Identidade. Nela tivemos Gêisa Fernandes, Clariston Costa, Ediliane Boff, Frederico Reggiane e Pablo Turnes (mais uam dupla).

O trabalho de Gêisa mostrou-se, no debate, como uma tentativa teórica de dar objetividade ao trabalho ficcional dos quadrinhos. Não entendi muito bem a iniciativa, confesso, pois, como diria Roland Barthes, a ficção trabalha com níveis de conhecimento que não podem, nem devem, ser sistematizados de todo, pois sempre “há mais entre o céu e a Terra do que sonha nossa vã...” Por seu turno, Cleriston analisou Jack, o estripador, na saga Do Inferno, de Alan Moore. Partindo da pista deixada pelo próprio autor de que “Jack teria realizado o parto do século XX”, Cleriston promoveu uma leitura muito inspirada e competente de toda a obra, absorvendo imagem e texto na economia expressiva do Sir dos Quadrinhos.

Ediliane analisou, sob a ótica dos estudos femininos em literatura, a série Rê Bordosa, de Angelli. Essa problemática que é minha velha conhecida, foi um sucesso de público e, por isso, várias perguntas foram dirigidas à comunicante. A grande questão foi o comentário acerca da visão do outro (homem) em cima da visão de feminismo, isso gerou certa discussão agradável na mesa.

Frederico e Pablo nos apresentaram uma visão de mito, voltada a Claude-Levi-Strauss, sobre os quadrinhos argentinos e da pasteurização da identidade do país promovida pelos autores analisados. Comunicação que, com certeza, possui importância comparativa com o que vemos na TV brasileira e em questões identitárias em nosso país.

Após um breve lanche, Mesa 29 de HQ e Identidade, com Marilda Lopes, Bernardo Antônio, Fabio Rodrigues e Gabriela Marques. Tínhamos, aqui, algo interessante: duas pessoas de comunicação e duas pessoas de Letras. O trabalho de Marilda compreendia as primeiras décadas do século XX, em especial, as charges publicadas nos jornais de S. Paulo e sua apresentação de uma sociedade que, de fato, ainda não existia no imaginário paulistano. Deveras interessante como abordagem do imaginário a ser composto pela sociedade paulista anterior à 1922. Bernardo fez um trabalho que, em muitos pontos, complementa o trabalho de T’Challa no primeiro dia. Trata-se de um trabalho que tenta perscrutar os arquétipos junguianos que fundamentam Peter Parker e Kal-El através da continuidade de publicação dessas personagens.

Fábio Garcia analisa de forma comparativa as iniciativas com relação ao mangá nacional e a problemática da identidade nacional no Romantismo. Ele demonstra a incrível semelhança da importância do exótico na produção nacional de imagens e histórias, bem como analisa a potencialidade de um estilo que absorve a técnica do mangá, mas apresenta problemas nacionais com relação à narrativa, ou seja, há uma estética que inicia uma definição do que seja um traço puramente nacional para quadrinhos seriados.

Gabriele Marques analisa a obra de Quino sob a ótica da dialética do feminino na Argentina. Dessa forma, Quino absorve a mentalidade estereotipada da mulher e cria um contraponto – Mafalda – que estabelece uma dinâmica narrativa que leva o leitor a questionar esses estereótipos.

Nesse dia, fui convencido a ver o cream de la cream do dia. Fui, então, à palestra intitulada O gibi chegou à escola. E agora? Com três comunicações, Eduardo Calil, Elydio dos Santos e Marcia Mendonça, analisaram os principais problemas com a relação ensino-aprendizagem das HQ nas escolas. A primeira palestra, de tão lugar comum pedagógico, me nego a tecer comentários.

A palestra de Elydio mostrou-se produtiva, pois, de maneira prática, ele mostrou que é possível notar que as crianças em idade de alfabetização, apreendem as histórias em quadrinhos como linguagem autônoma e tentam conscientemente elaborar narrativas em que, apesar de ser no suporte texto, revelam uma profunda comunicação entre a linguagem literária e a linguagem das HQ.

Maria Mendonça apresentou uma comparação dos livros didáticos com relação aos Quadrinhos, uma espécie de histórico nas abordagens pedagógicas do tema nos livros. Vimos, então, que os quadrinhos, no processo de absorção didática, apresentam um estranho perigo: se tornarem a maçante leitura extra-didática promovida na área de literatura, com suas concepções de épocas e fórmulas de movimentos literários.

Inté.

2 comentários:

  1. Olá equipe!

    O comentário segue com bastante distância do evento, mas como o espaço permanece aberto (e tempo na internet não é linear mesmo), vamos lá:
    Em primeiro lugar agradeço a cobertura da mesa 21, sobre HQs e Identidades, sob minha coordenação.
    Em segundo lugar, gostaria de esclarecer que o trabalho "O que Querem os Quadrinhos?", não teve, em absoluto, a intenção ser uma "tentativa teórica de dar objetividade ao trabalho ficcional dos quadrinhos".
    A proposta é de fornecer ao pesquisador ferramentas que permitam trabalhar as HQs como objeto de pesquisa, assim como já acontece há algum tempo com o cinema, a literatura, a fotografia, sem que com isso o processo ficcional destas linguagens tenha sido "sistematizado".
    O problema atual é que os pesquisadores de HQ (em geral e particularmente os brasileiros), por enquanto, dispõem de poucos trabalhos sobre metodologia, tendo que pegar carona em ferramentas que foram pensadas para outras artes ou, no caso brasileiro, recorrer à teoria formulada por autores estrangeiros, muitas vezes voltadas para a produção específica de um determinado país. Isto dificulta muito a pesquisa no campo, além de atrapalhar o diálogo entre os pesquisadores. Sem falar que grande parte do material em língua estrangeira sobre metodologia de pesquisa de HQs sequer foi traduzido para o português.
    A discussão gira, portanto, em torno das peculiaridades das HQs, da identidade da Nona Arte e do fortalecimento do aporte teórico feito, digamos, sob medida, para a linguagem.

    Grande abraço!

    Geisa Fernandes     

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  2. Geisa,Realmente sou obrigado a concordar quanto à dinâmica de produção de textos na Internet - enquanto o produtor deles é delimitado no tempo, a temporalidade da leitura é algo que se torna implosivo num determinado prisma. Dessa forma, seu comentário é muito bem-vindo e oportuno, pois me obriga a deixar certas coisas mais claras.Você discorda de meu apontamento sobre o seu trabalho, dizendo "A proposta é de fornecer ao pesquisador ferramentas que permitam trabalhar as HQs como objeto de pesquisa, assim como já acontece há algum tempo com o cinema, a literatura, a fotografia, sem que com isso o processo ficcional destas linguagens tenha sido "sistematizado". Algumas correções, entretanto, são necessárias - a literatura possui ferramentas de pesquisa exclusivas desde Aristóteles que foi o primeiro que sistematizou (ou seja, criou um conjunto de ferramentas de análise) certas abstrações próprias da arte escrita. Ao mesmo tempo, cinema e fotografia possuem uma história em paralelo que remonta a meados do século XX no que tange à questão de análise. Além disso, a primeira sistematização exclusiva das histórias em quadrinhos foi realizada por um brasileiro nos anos 1970. De qualquer forma, o que eu não havia entendido é o motivo de se criar um conjunto de "ferramentas que permitam trabalhar as histórias em quadrinhos como objeto de pesquisa" sendo que elas já existem. Na verdade, é a mesma falta de entendimento que debati com Paulo Ramos sobre o livro publicado em que ele refaz o percurso de delimitação da linguagem das histórias em quadrinhos, dá uma olhada no blog dele e você verá comentários meus por lá.Quanto à tentativa própria de não ceder espaço com relação à crítica impressionista da produção ficcional aplaudo de pé e creio que não preciso comentar mais...Concordo plenamente com este comentário: "O problema atual é que os pesquisadores de HQ (em geral e particularmente os brasileiros), por enquanto, dispõem de poucos trabalhos sobre metodologia, tendo que pegar carona em ferramentas que foram pensadas para outras artes ou, no caso brasileiro, recorrer à teoria formulada por autores estrangeiros, muitas vezes voltadas para a produção específica de um determinado país. Isto dificulta muito a pesquisa no campo, além de atrapalhar o diálogo entre os pesquisadores. Sem falar que grande parte do material em língua estrangeira sobre metodologia de pesquisa de HQs sequer foi traduzido para o português." Sabendo-se que a ampla maioria do material produzido no Brasil refere-se à pedagogia, é triste ver o quanto o Brasil ainda engatinha no tema. Ainda mais: nós, brasileiros, esquecemos que fomos os PRIMEIROS a trabalhar com o tema e a desenvolver pelo menos duas metodologias concorrentes de pesquisa em quadrinhos, o que é, na realidade, salutar, pois demonstra a profunda preocupação nacional com o tema (mas que foi abandonado pela terceira geração de pesquisadores, a saber, a nossa geração).Sugiro, então, que você tente resgatar (porque é definitivamente uma arqueologia em sebos) os livros publicados por Moacy Cirne que trabalham tanto a linguagem dos quadrinhos sob o ponto de vista geral como também na particularidade nacional. Creio que esse aporte será muito profundo na sua pesquisa sobre metodologias com relação à especificidade da linguagem em quadrinhos.

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