15 de setembro de 2011

Especial 11/09 – Ultimate Marvel, uma alegoria americana (parte 03)

Mark Millar, em seu trabalho em cima do Novo Universo Marvel da linha Ultimate, mostrou rapidamente o quanto a consciência bélica americana era deturpada por várias instâncias dentro dos EUA. O que o leitor médio fora do território dos 50 Estados tenta não perceber é que, a todo instante, em cada linha de diálogo, o conteúdo de uma história em quadrinhos se refere ao povo americano e ao sistema de domínio implementado para que eles se vejam no topo do mundo.

 

 

Este fato é difícil de ser compreendido, pois envolve a nossa subjetividade no contexto. É muito complicado para uma comunidade dominada aceitar o domínio de maneira positiva, normalmente é visto de forma negativa e como opressão às vítimas, mas, o nobre leitor já deve ter compreendido que o meu tortuoso modo de escritura propõe que tudo o que envolva os quadrinhos age sob o signo do medalhão e, portanto, duas faces se revelam sempre. Ao mesmo tempo em que somos dominados, vemos nesse domínio a completa ignorância do povo estadunidense com relação ao resto do mundo.

Os anos 1980 marcaram, na fase de John Byrne, um Capitão América que passa a conhecer o resto do mundo e a formular alianças, até que, num movimento de eterno retorno ao próprio umbigo, a personagem é ameaçada por uma promessa de candidatura presidencial. Nesse ponto, vemos Steve Rogers, cidadão do mundo, não aceitar a candidatura pelo simples fato de que o povo não veria o Sonho Americano (na realidade, Francês) travestido em bandeira, mas o homem por trás da máscara e isso implicaria na derrocada do próprio símbolo americano. Mark Millar, ao refazer o Capitão América, pensa em outro sentido.

No volume 1 de Os Supremos, Millar inscreve o Vovô América sob o símbolo de nação bélica. Não há momentos de paz na visão de Millar sobre Rogers, ele é sempre um homem que está atrás de batalhas e de uma organização militar e retrógada para tudo. Vejamos uma cena polêmica: em dado momento, Rogers descobre que a Vespa fora espancada por seu noivo, o gênio perdedor Hank Pym. Ao invés de tentar uma reconciliação, Rogers parte em perseguição ao Gigante e espanca-o. Ou seja, a moralidade do Rogers Ultimate é praticamente um olho por olho em assuntos domésticos e vingativo em assuntos externos. Acredito que, por conta dos inúmeros exemplos, não cabe uma análise mais profunda, economia de espaço é vital para um texto em blogs, não é mesmo?

 

 

Millar estabelece uma nova linha para os super-heróis. Eles ao mesmo tempo são uma espécie de celebridades e tropa de elite. Temos uma resposta sempre desproporcional ao que acontece no mundo, sempre bélica, sempre violenta, sempre com uma íntima relação aos preceitos colocados por George Bush em seus discursos. Pouco a pouco, Millar estabelece uma crítica virulenta com relação ao povo americano, mas, como esse mesmo povo é tão auto-centrado (leia-se egoísta ou ególatra para quem quiser sinceridade), o leitor médio simplesmente se diverte, como se assiste episódios de Simpsons, sem o menor incômodo. O interessante da fase de Millar em Os Supremos é, pois, mostrar o paradoxo americano – donos do mundo sem o conhecê-lo. Após 11/09, Millar mostra pouco a pouco – depois da fase Loeb (nego-me a falar qualquer coisa sobre isso) – como as outras nações rapidamente perceberam que os EUA perderam poder e começam a imitar as estratégias americanas para tentar superá-las.

No outro lado do medalhão, está Brian Michael Bendis. Seu Homem-Aranha Ultimate é, em essência, a visão doméstica dos acontecimentos. Tudo está lá: iPhones, iPads, adolescentes com enormes egos e nenhum respeito pelo outro e Peter Parker. Peter é a encarnação de uma família dos anos 1970 (vejam a idade daqueles que lhe deram educação) e de sua preocupação para com o outro. Parece muitas vezes que o “Com grandes poderes, grandes responsabilidades” soa de maneira muito cínica, principalmente quando Peter se encontra com Norman Osborn ou Nick Fury, mas o que é mais perceptível é que o sonho americano de respeito e humanismo foi claramente deslocado para um novo tipo de sonho: lucro a qualquer custo. Todos aqueles que estão ao redor de Peter, com exceção de May Parker, são orientados por esse novo sonho individualista que Bendis mostra que é o fato de Nova York e continua sendo o fato de Nova York. Apesar de o discurso de várias personagens ser, de fato, humanista, Bendis revela o lado completamente ególatra com relação ao mesmo discurso.

 

 

Vejamos, por exemplo, o caso com relação ao encontro entre Peter e Nick Fury (devo lembrar ao leitor que não estou vendo as HQ’s que cito, mas rememorando de maneira a mais livre possível os eventos). Enquanto Peter sofre moralmente sobre sua atuação em NY e com relação aos passos de Wilson Fisk e Norman Osborn na criminalidade crescente na cidade, Fury manipula essa mesma moralidade para testar Peter com o intuito de, no futuro, usá-lo nos Supremos. Impressiona o quanto Nick vê em Peter somente uma arma, apesar de seus discursos revelarem a preocupação com relação ao caráter do jovem rapaz. Novamente, o leitor médio da “América” vê apenas o drama de Peter e não percebe o cinismo de Fury. Cinismo por cima de cinismo, discursos sobre discursos. Se fosse um linguista, teria anos de trabalho pela frente analisando cada um dos discursos deliciosos de Fury acerca de moralidade, respeito, entre outros.

 

 

Em 2010, ocorreu o similar do 11/09 no Universo Ultimate – trata-se de Ultimatum, Réquiem e o novo-novo Universo Ultimate... Vários morreram, heróis trocaram de lugar e somente Peter Parker manteve-se no mesmo ponto. O Homem-Aranha se torna o fiel da balança da carga de moralidade necessária para o entendimento do que se passa em pleno caos. A maioria das personagens após o evento que revelou serem todos os mutantes construtos genéticos feitos a partir de Wolverine – foda-se o spoiler – está morta ou definitivamente abalada, dando a Millar e Bendis a oportunidade perfeita de, por um lado, mostrar como a comunidade internacional vê os EUA pós-cataclismo e, por outro, como os americanos estão se vendo refletidos aos olhos de seus compatriotas. A liberdade não é mais algo a ser perseguido por todos, mas uma reação exagerada que é escondida por esse discurso. A única excessão: Peter Parker.

E vocês sabem o que aconteceu com ele, não é?

A seguir: No universo 616, Vingadores caem, uma Guerra “Civil”, um Reinado Sombrio, um Era heroica de 10 meses e tenha Terror, sinta medo...

Inté.

2 comentários:

  1. Bom post, mas sei lá... Universo Ultimate tem umas paradas meio forçadas.

    O lance de colocarem que o Magneto atacou as torres gêmeas e que bombardearam Hiroshima pra destruir instalações alienígenas...

    Por favor isso não...

    ResponderExcluir
  2. Renver,

    A grande questão é tentar entender como se forma essa alegoria do terrorismo. Os exemplos que vc deu, nada mais são, do que levar a alegoria ao máximo. Ou seja, centralizar algo em torno de uma única personagem (tornando-a um paralelo de Bin Landen) e a questão da paranóia estadunidense com relação ao estrangeiro...

    Abraços.

    ResponderExcluir