Uma das melhores coisas de ser ler histórias em quadrinhos depois de todas as notícias veiculadas pela mídia e internet está no fato de podermos reavaliar as ideias “originais” de alguns autores. Talvez essa seja a melhor forma para que possamos avaliar as “inovações” de nossas queridas equipes criativas.
Em 2009, a Panini Comics publica a edição especial de série Earth X (Terra X). Aliás, essa é uma das melhores iniciativas da divisão brasileira da editora italiana – desde sua responsabilização da produção de quadrinhos nacionais (antes, a editora cedia esses direitos para uma empresa terceirizada), a Panini Brasil Ltda. Procura publicar em forma de encadernados algumas das publicações mais importantes das empresas americanas que representam.
A publicação original da série data de 1999 e só consegui lê-la em 2011. Para os leitores que estão sempre atentos às novidades, posso dizer o seguinte – o estudo de um leitor sempre se dá para o caminho do passado e quase nunca no caminho do presente, pois o passado ajuda a entender certas aspirações que ora os homens possuem e atestam ser valores universais. A triste verdade é que, para um melhor entendimento de qualquer fenômeno cultural, nós temos de ir cada dia mais para o passado.
Dito isto, vejamos como Alex Ross e Jim Krueger, os artistas responsáveis pelo argumento e roteiros da série mostraram no último ano da década de 1990 como seria o futuro do Universo Marvel e, com isso, despertaram as “mentes criativas” de duas décadas posteriores. Ainda temos mais: de quando em quando, alguns dos desenhos de John Paul Leon, Bill Reinhold também nos mostrarão interessantes semelhanças de sua visão das personagens da Marvel com os artistas atuais.
Mas, caro leitor, o que foi Terra X? Foi uma série que se desenrolou fora do universo Marvel 616 e que tentou relacionar tudo aquilo que o Universo Marvel apresentava até 1999 para gerar coerência interna entre todos os anos da editora. Essa série explora o início do Universo Marvel, as concepções dos Celestiais e o papel de Galactus e Franklin Richards como seres mais poderosos desse universo. A tarefa é muito bem executada, com poucos erros no que tange à verossimilhança interna, tornando um passeio muito elucidativo do universo Marvel 616 – a base para a organização desse universo novo.
Não estamos aqui, todavia, para falar sobre isso. A crítica especializada já cansou de aplaudir a série durante a última década. Como ela fala do futuro do Universo Marvel, podemos ver como o universo 616 conseguiu aproveitar as ideias dos autores, não? A primeira ideia que ressoou no universo Marvel foi a noção dada aos deuses que povoam esse universo ficcional. Segundo a história, esses deuses seriam alienígenas que foram animados pelos mitos da humanidade e assumiram a forma e a personalidade baseadas na fé dos homens. Essa ideia gerou uma série na qual Thor e os Asgardianos descobrem que não são deuses. Em Terra X, não há mudança na aparência da maioria dos deuses, mas, no Universo 616:
Apesar de a ideia de colocar os asgardianos como alienígenas seja anterior à série, a conclusão com a qual Ross e Krueger chegam é mais eficaz do que a realizada no próprio universo Marvel 616 – eles são deuses porque os fiéis acreditavam que eles eram deuses e, por isso, assumiam a forma com a qual os fiéis acreditavam ser a forma que eles teriam. Os nórdicos acreditavam que os deuses poderiam mudar de sexo, conforme os desejos de Odin e, por isso, por meio de um ardil de Loki (o que também é coerente com a fé dos nórdicos), Thor assume a forma de uma mulher.
Capitão América e o Asa Vermelha (Wyatt Wingfoot, o mesmo que namorara a Mulher-Hulk) enfrentam uma nova versão da Hidra. Essa Hidra transforma todos os seres em zumbis, com um esporo que se alimenta da força de vontade do possuído, tornando-o verde no processo. Para conseguir, entretanto, o esporo deve convencer o próximo infectado para que não haja resistência à inoculação. Se você, leitor, está acompanhando as histórias de Nick Fury em Reinado Sombrio...
Leviatã, um dos cabeças da Hidra lidera homens que perderam a sua individualidade para a organização. Na imagem, vemos que todos os hidras possuem a mesma face. Mais há ainda mais um dado que é apenas uma cópia: a Rainha Hidra teve um envolvimento amoroso com Asa Vermelha, correto? Vejam quem é a atual Madame Hidra…
A Condessa Allegra de Fontaine, antiga namorada de Nick Fury durante boa parte de sua vida pós-II Guerra. A implicação criada em Terra X foi, portanto, desmembrada, mantendo-se a Hidra como centro. Ou seja, o que vemos é a reutilização da mesma ideia.
Vamos avançar nas ideias da dupla responsável por Terra X. Adivinhem quem é o Presidente dos EUA? Pois é, toda a saga Reinado Sombrio se dá por conta de Norman Osborn dominar todos os recursos de defesa dos EUA. Mais do que isso, somente sendo presidente. Nesse caso, os roteiristas da Marvel não tiveram a coragem dos roteiristas da DC que colocaram Lex Luthor na presidência. Mesmo assim, o poder atual de Norman (que já já declina) é surpreendente. Em Terra X, o poder de Norman seria absoluto se não fosse o colapso da economia mundial após o incidente envolvendo Reed Richards. Os EUA mais parecem uma colcha de retalhos do que a rica nação de outrora.
Os Inumanos, em um rápido corte de cena, estão voltando à Terra depois de uma longa expedição no espaço. Aqui somente a família real parte, pois o resto da população, dez anos antes, resolvera viver junto aos humanos, mesmo arriscando a própria vida para isso (a grande desculpa do isolamento dos Inumanos em Attilan se dá por conta dos poluentes liberados na Terra pelos humanos, sendo fatal aos seres criados pelos Krees). A expedição ao espaço, aparentemente, provocou mudanças significativas nas personagens, mas isso não importa num mundo repleto de seres superpoderosos. Sobre a saída dos Inumanos, basta vermos a saga Guerra dos Reis para sabermos que a ideia de Ross e Krueger entrou de cabeça no universo 616.
Na visita dos Inumanos, Benjamin Grimm conta o que ocorrera com o Quarteto Fantástico. Numa luta entre o grupo, Namor e Dr. Destino, o Quarteto teve seu fim. o Tocha Humana morre e, logo após, é a vez de Susan e Victor Von Doom passarem desta pra melhor. Revoltado com o ocorrido, Franklin Richards torna o Príncipe Submarino metade água metade fogo. Aparentemente, os poderes do filho de Reed são insuperáveis. Mesmo assim, essa não foi a morte do Dr. Destino, pois, em sua culpa, o Sr. Fantástico assume a batuta de Rei da Latvéria. Apesar de já aparecer em 1987 (em que o Dr. Destino trocou de corpo com Reed), essa ideia foi recentemente abordada na série do Quarteto Fantástico no Universo 616:
Enquanto a motivação de Reed no universo 616 é, obviamente, algum plano mirabolante para salvar a humanidade, em Terra X a motivação é a culpa. Da mesma forma com a qual ele fundou o Quarteto Fantástico, Reed Richards se move pela culpa de ter tornado a humanidade pobre de recursos para sua própria subsistência e assume o manto de Doom para conseguir trabalhar sem as perseguições dos novos seres criados – achando ele nesse ponto – por ele mesmo.
Reed comunica-se com Tony, pedindo-lhe auxílio para que possa resolver a atual crise no planeta. Tony é aparentemente o único ser humano que não detém poderes na Terra. A atual série do Homem de Ferro mostra isso de outra forma, mas a ideia é a mesma: com o vírus Extremis inoculado em seu organismo Tony se torna o único humano 100% perfeito da Terra. Todas as suas funções vitais são geridas pelo vírus, tornando-o único. O isolamento em Terra X é físico, mas o isolamento na série Iron Man é subjetivo o que poderia se tornar uma dificuldade para um roteirista, mas se tornou uma sucessão de clichês intermináveis...
Semana que vem, continuamos pessoal. Falaremos do Hulk, Capitão América e vários outros...
Inté.