Senhoras e senhores, mais uma seção de post reciclados enquanto estou a preparar uma nova postagem sobre a Gotham do Século XIX. Enquanto esse texto não sai da minha cabeça, vamos tentar responder à pergunta-título – Kevin Smith é fã de Batman?!
Em novembro de 2009, a Panini Comics trouxe às bancas a história Batman – Cacofonia. Muito se falou sobre a edição quando de seu lançamento, a opinião geral (blogs, fóruns, comunidades de orkut e etc) execrou a revista por não se tratar de uma história do Batman! Ao ler a revista, ficou claro que a opinião da galera está corretíssima, não se trata de uma história do Batman, mas do Demolidor. Como? A nerdaiada ficou doida agora? Calma, amiguinhos que o Titio House explica…
Alguns anos antes de Batman – Cacofonia, Kevin Smith assinou o argumento para uma história do Demolidor que marcou o personagem na primeira década do ano 2000. Essa história é tão conhecida que não vou sequer comentá-la aqui, mas uma imagem trará à mente de todos o tópico em questão. Está aí do lado… A morte de Karen serviu como estopim a uma série de eventos que permitiu o aparecimento de uma nova personagem que, proponho aqui ter sido ideia de Kevin Smith, chamada Eco. Essa mercenária teria poderes análogos ao do Treinador, porém, com o agravante de ser deficiente auditiva – surda, ora bolas. Depois de algum tempo, ficamos sabendo que a personagem não é má, blá-blá-blá e ela se torna uma vingadora renegada. Fim da história? Não, senhor. Ele continua a história em Batman – Cacofonia. Se você não se lembram, na época, Smith iria escrever uma história sensacional para o Demolidor que acabou engavetada devido a demora do [voz narrador de comerciais da GLOBO ON] rapaz envolvido em muitas confusões [voz narrador de comerciais da GLOBO OFF].
Cacofonia significa: 1. qualidade do que soa desagradavelmente; 2. som feio ou desagradável; união não harmônica de sons diversos; 3. Rubrica: gramática. Pronúncia feia ou incorreta de palavras, formando cacófato; 4. Rubrica: gramática. Repetição de sons (fonemas ou sílabas) considerada desagradável ao ouvido; 4.1 m.q. cacófato; 5. Rubrica: música. Conjunto de vozes ou sons musicais dissonantes ou que não estão afinados entre si (Dicionário Eletrônico Aurélio – 3.0).
Já no título há uma pista importante. O foco de Smith não é o Batman, ele o usa como pretexto comercial. Ele quer criar uma aventura para o vilão Onomatopeia, seguindo o rastro já deixado por ele mesmo em Green Arrow. A história em Green Arrow é irrelevante para o entendimento da edição, mas a significação de “cacofonia” é importante, principalmente se levarmos em conta a rubrica musical. Se Cacofonia é um conjunto de vozes musicais desagradáveis ao ouvido, podemos fazer uma analogia é chegar à conclusão de que Batman – Cacofonia é um conjunto de cenas que serão abordadas de forma a incomodar, e muito, o leitor.
Vamos, portanto, às cenas. Lembremos, primeiramente, que esta história não faz parte da cronologia oficial de Batman, sendo então encarada como uma história marginal a sua mitologia, o que nos interessa aqui é vermos como o sr. Smith aborda essa mitologia e como ele compreende quem é o Batman, sem deixar de lado o seu foco – Onomatopeia.
O vilão que mata outros heróis planeja atacar o Batman. E, para realizar o ato, usa o pistoleiro para resgatar o Coringa que está preso no Arkham. Depois de eliminar Floyd e soltar o Coringa, Onomatopeia entrega-lhe uma mala com alguns milhares de dólares. O Coringa assim interpreta a bolada recebida:
Ok… Uma piada de fundo sexual com o Coringa. E bem fraquinha… O problema é que se transfigurarmos para uma história do Demolidor, ela ganha lógica. O Mercenário não é um símbolo do caos, como o Coringa e poderia muito bem, ao ver Eco oferecer-lhe uma quantia razoável sem motivo, achar que ela queria uma relação sexual com ele. Afinal, ele mesmo já especulou sobre Elektra, Mary Tifoyd e tantas outras… Mas, não para por aí: vejam a máscara no Onomatopeia, percebem a semelhança com o Mercenário?
É claro que o Coringa agiria sob seus próprios interesses, mas quais seriam os interesses do Palhaço, do Rei dos Sortilégios? Para Kevin Smith, se trata de uma questão de negócios: conforme a narrativa se desenrola, ficamos sabendo que Max Zeus pegara a fórmula do gás do riso do Coringa e transformou numa nova droga, mais inofensiva, que ganhou o nome de risinho. Com ela, Max enriqueceu rapidamente e começou a usar o esquema de nossos gângsteres mais famosos: limpar o dinheiro com obras de caridade e assistencialismo. Isso enlouqueceu o Coringa, pois: “Aquele oportunista de meia-tigela! Difamando o meu bom nome! O veneno do Coringa é pras pessoas temerem, não pra ‘fazerem a cabeça’ em rave!” (p. 8). O supremo fanboy errou feio dessa vez: o veneno do Coringa serve para uma única coisa: fazer com que as pessoas fiquem à imagem e semelhança do Palhaço do Crime. Neil Adams já escreveu sobre isso mais de uma vez e, com certeza, o fanboy sabia disso. Mas, colocar esse fato não colaboraria com o enredo do Demolidor/Batman a que ele se propôs. Vejam bem: conforme o modelo de caos que rege as ações do Coringa, a vingança contra Max Zeus deveria ser um produto de uma série de acontecimentos que afastariam o Palhaço do risinho e não um ataque direto numa boate financiada pelo Maxie:
Mas, vamos às duas cenas capitais da história. A primeira delas é o encontro do herói com os dois vilões – o Coringa está algemado no bat-sinal e Onomatopeia está a levar uma surra. Percebendo que irá perder, o vilão fere mortalmente o Palhaço e se prepara para escapar. Batman olha a situação e pensa: “É um teste. Ele quer ver o que faço. Se salvo essa vítima… ou persigo o assassino. Sei o que eu deveria fazer. Mas não consigo.” (p. 77) O problema, nesse caso, é o seguinte: Max Zeus está preso na base do Comissário Gordon. Coringa, Onomatopeia e Batman estão lutando no local em que fica o bat-sinal e nenhum policial de Gotham percebe ou ouve nada do que está acontecendo? Não podem, do contrário, o enredo de Kevin Smith naufraga. Se fosse com o Demolidor, a mesma cena transcorreria num prédio qualquer de NY, mas como é o Batman…
A segunda cena deixa tudo num descaramento só. Vamos a ela:
Batman visita o Coringa no hospital?! Por quê? O único personagem dos quadrinhos que já fez isso, numa história magistral (diga-se de passagem), foi o Demolidor. Visitou o Mercenário e brincou de roleta russa com ele enquanto rememorava a sua história. Aqui o discurso do Batman é tão estranho ao personagem (que é regido por um arquétipo de ordem científica, qualquer dia explico isso) que mais parece um discurso sobre o meio cristão de olhar a vida – não se trata do meio evangélico, mas do meio CRISTÃO. Ou seja, toda vida é sagrada mesmo que a pessoa não a encare dessa forma. Um bom exemplo disso está na edição 99 de X-Men.
Agora, adivinhem quem é o personagem dos quadrinhos de supers que é regido por sua cristandade? Ahá… Demolidor. Caro leitor, creio que ainda resta uma pergunta, correto? E o Onomatopeia pra onde foi? Ah, ele foi encontrar com a família e mostrar para nós o quanto ele conseguiu evoluir em sua psicopatia… Batman – Cacofonia é, portanto, um apanhado de acordes sem sentido que não produzem a harmonia necessária para se tornar algo importante para a sinfonia dos quadrinhos como um todo. Passa despercebido pela maioria do público, mas atesta a qualidade duvidosa do epíteto recebido por Kevin Smith há alguns anos.
Inté.