Como disse semana passada, o Coficon foi interrompido por uma ilustre presença. Sim, senhores, o velhinho mais identificado com os mutantes da Marvel adentrava o auditório de comunicações da Leopoldina para uma saraivada de perguntas dos acadêmicos e dos demais fãs que acordaram cedo. Se vocês lembrarem de como foi o encontro entre Ebony Spidey e o sr. Claremont, vocês podem imaginar como me preocupei naquele momento.
Devo reconhecer que a grande maioria das perguntas realizadas foi, de fato, de um nível muito superior àquelas feitas no dia anterior. Mesmo assim, eu estava com uma certa desconfiança com relação à produção de Claremont. Se olharmos as origens dos X-Men, com as histórias de Stan Lee e seus milhões de ghost-writers, notaremos que há uma forte presença do número 3 nas relações, mas o estilo ágil dos anos 1960/1970, não permitiu um grande aproveitamento, mas já estava lá.
Claremont, por sua vez, ao trabalhar com os X-Men investiu e problematizou esse número 3 a níveis absurdos. Transformou praticamente tudo na série em algo com 3 pessoas ou 3 signos envolvidos. X-Men x Sentinelas x Irmandade dos Mutantes. Xavier x Bolivar Trask x Magneto. Wolverine x Jean Grey x Ciclope. Enquanto Stan Lee, portanto, apresentou o número 3 enquanto possibilidade ficcional, Claremont tratou o esquema triádico como fundamental para o entendimento das relações humanas em X-Men. Bem, é fácil pensar essas relações, mas complica pensá-las como elas funcionam. Rene Girard (se quiser saber quem é, veja AQUI) nos lembra que essa relação se dá por meio de sentimentos negativos que são habilmente disfarçados para realçar o caráter heroico das personagens.
Com isso em mente, fiz uma pergunta ao sorridente Claremont, relacionando essa estruturação triádica em sua organização ficcional com a temática do desejo e de como a inveja se torna fundamental para essa dinâmica. Creio que peguei pesado, mas a resposta foi sincera. Ele disse que nunca pensara muito sobre isso, acontecia naturalmente, mas que uma relação em três sempre envolverá que um dos personagens terá duas escolhas. Há um problema nessa resposta: se ele estabelece que uma relação triádica no seu pensamento enquanto roteirista, ele necessariamente deveria colocar-se numa mesma relação triádica de produção, pois quadrinhos, mesmo os autorais, são um trabalho em equipe. E, talvez, essa seja a minha maior crítica ao evento como um todo.
Temos de entender de uma vez por todas que o mal romântico (um termo cunhado por Girard) se reconstrói em várias esferas do saber humano. Absolutamente nada, em termos de arte, pode ser considerada uma produção individual. Um objeto estético é, em parte, a reprodução de um pensamento coletivo que um artista, ou, no caso dos quadrinhos, artistas expressa sobre um determinado problema da humanidade. Isso implica dizer que um romance não é a expressão do gênio, mas um reflexo interpretado de nós mesmos. Claremont e todos os artistas que compareceram ao Comicon do Rio de Janeiro expressaram que sua produção artística é individual e uma expressão de seu próprio ego com o intuito de se comunicar com o outro. Isso é a mais pura mentira. Claremont precisou de desenhistas que interpretaram a sua interpretação e a transformaram em imagens que, por seu turno, precisou de arte-finalistas para que as imagens pudessem ser reproduzidas que, por seu turno, precisou de coloristas para colocar as cores (mesmo sendo preto e branco) para que as imagens não se tornassem meramente uma reprodução de nanquim que, por sua vez, precisou dos leitores que interpretaram isso tudo e iniciaram um novo processo de interpretação para que aquela primeira interpretação se perdesse em prol de novas interpretações. Como pensar, então, que um objeto artístico seja meramente a expressão de um gênio?
A resposta é fácil porém cruel. Claremont e os outros artistas simplesmente retiram o Outro da equação e o transformam em si mesmo. Ou seja, fazem a mesma coisa que Ciclope em sua relação com Jean Grey. Ao retirar o “incômodo” Logan (que mexia muito mais com as ancas da Fênix), Summers poderia se imaginar como o amante supremo de Jean, mas sempre que notava a aproximação de Logan e via como sua auto-imagem era falha, tudo o que poderia sentir era inveja e uma vontade, mesmo que ignorada, de se tornar Wolverine. Agora, caro leitor, olhe os frutos da obra de Claremont, ou seja, vejam o que foi feito depois e me respondam: Wolverine e Ciclope não têm se aproximado cada vez mais e se tornado dia-a-dia cada vez mais parecidos?
A mentira romântica gera esse fruto. Um bando de “gênios” que, ao não notar o Outro, apenas podem imitar esse outro em prol de afirmarem-se enquanto indivíduos isolados. Tentam se isolar, serem individuais, tornando-se iguais aquilo que invejam. Como diria o inquilino do Chris, “Trágico, trágico!”
Inté.
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