Incrível como a irresignação de Presto, da Caverna do Dragão, era perceptível na voz de sua dublagem brasileira. Ele lutava contra sua inabilidade para a mágica, contra o fato de ser involuntariamente engraçado. Eu gostava daquilo.
E saía da zona de conforto ao perceber a insegurança e o rancor que irrigava de melancolia os fortes laços de amizade que uniam as personagens de Cláudia Rodrigues e Dira Paes, no extinto seriado A Diarista.
E ainda por cima, perdi a conta de quantas vezes imitei os gestos alegres e inocentes do Seu Boneco, sem atentar para a miséria física e intelectual que acometia sua essência, como síntese do despossuído.
São apenas memórias, que guardo com carinho, e demonstram que Nizo Neto (dublador do Presto), Bruno Mazzeo (criador de A Diarista) e Lug de Paula (Seu Boneco) possuem mais em comum com Chico Anysio do que podemos imaginar.
Chico dizia que não havia humor velho e novo, apenas humor engraçado e sem graça. É fato que diversos familiares do saudoso humorista enveredaram pelo ofício de fazer rir. Pelo que vejo, sem maiores escrutínios, de todos os filhos do mestre do humor, esses três são os que mais se assemelham a ele, pela verve agridoce.
Nessa linha, vejo o Professor Raimundo, um dos mais queridos personagens de Chico, representando o educador brasileiro, quase sempre uma figura egressa de um ambiente de poucos recursos, de pouco estudo, que vê na função de professor a saída para sua condição e a oportunidade de ajudar outras pessoas, de melhorar o país.
Chico homenageou sua cidade natal, Maranguape, dividindo-a com Raimundo. Além disso, embora uma estrela, abriu mão do protagonismo para servir de escada a outros humoristas, alguns precisando de uma chance, e muitos (veteranos) precisando apenas pagar as contas.
Autor de A Diarista, Bruno Mazzeo, mais ator que humorista, escreveu e atuou principalmente nos seriados Junto e Misturado e Cilada. Tal série, inclusive, migrou de forma bem-sucedida para o cinema. Talvez inspirado em sua personalidade, Bruno Mazzeo construiu um alter-ego impaciente, prático, e algumas vezes, carrancudo, mas quase sempre divertido. Tirando Bruno, os demais filhos de Francisco permanecem à sombra do pai, carecendo, talvez, de mais espaço para mostrar suas qualidades. Assim como o patriarca, que, a despeito do enorme talento, permaneceu imobilizado por um contrato com a Globo que o impedia de expandir os horizontes.
E, se for verdade o que reza a lenda, a redonda e quadrada emissora de televisão desperdiçou a maturidade criativa de um gênio, e não há como voltar atrás.
No fim dos anos 1990, quando o humor de Chico parecia superado para alguns, ele ressurgiu numa das primeiras tentativas recentes de antropofagizar as sitcoms – O belo e as feras, de 1999. Chico retornava à TV após 3 anos e, a cada episódio, fazia um novo papel, sempre contracenando com uma atriz diferente. Bruno Mazzeo foi o redator-final do programa que, infelizmente, não vingou.
Anos depois, Chico voltou a ser reverenciado no Zorra Total, encarnando seu fantástico personagem Alberto Roberto, e vários outros, em posteriores retornos, após alguns hiatos. E, em reconhecimento tardio, ganhou um programa anual, Chico e Amigos, no qual retomava inúmeros de seus personagens, que inclusive contracenavam entre si.
É impossível preencher o vazio causado pelo fechamento das cortinas do maior showman do humor brasileiro, mas torço para que o talento de seus filhos faça jus a seu legado, criando momentos que continuem a emocionar a todos nós, muito além do riso fácil.
Incrivel como eu sempre viajo com as suas palavras. Lindo texto, amigo.
ResponderExcluirSaudades!!
Parabéns por expressar de forma tão brilhante a eterna admiração por um icone como o Chico. Nós que tivemos o privilégio de crescer acompanhando uma fera como essa jamais podemos permitir apagar sua imagem..... Que a cada ano todos os brasileiros que gozaram do mesmo privilégio não deixem apagar a genialidade deste grande brasileiro, que enquanto pôde, trouxe para a casa de todos muita alegria....
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