11 de abril de 2012

Por que Vale tudo é uma novela nerd? (parte 04)*

Texto originalmente publicado no site Pira RPG

Na primeira parte dessa sequência, disse que Vale Tudo é uma novela nerd. Afirmação assaz estranha, pois um nerd que se preze não é chegado a novelas, não costuma gostar da Rede Globo como um todo e, na maioria dos casos, pouco assiste a TV aberta. Entretanto, como essa pessoa que não tenta compreender aquilo que é do povão, pode se considerar um nerd? Essa é a definição básica de um termo muito usado no Rio de Janeiro que acredito ser pouco popular no resto do Brasil, trata-se do Cult Bacaninha.

Cult Bacaninha são aquelas pessoas que costumam gostar de tudo (ou a maioria dos fenômenos) que é considerado de bom gosto ou cultuado por determinados grupos que são considerados como tendo alguma autoridade sobre a sociedade. Um exemplo: a série de gibis do Arqueiro Verde e Lanterna Verde escrita por Dennis O'Neil e Neal Adams. Na época, a série não teve sucesso de público, mas a crítica especializada prestou louvores às histórias, pois tratavam de temas incômodos para a sociedade americana. O típico cult bacaninha tem essas histórias, mas é incapaz de dizer os motivos pelos quais essas histórias são importantes para o entendimento da cultura nerd dos quadrinhos ou mesmo para a cultura americana como um todo.

Sendo assim, Vale Tudo teve o acompanhamento de diversos cults bacaninhas que somente viram a novela sem ao menos tentar entender ou pensar sobre o que ocorria no Brasil em 1989 (para ver como isso se dá, basta uma pesquisa de #ValeTudo no twitter). Mas Vale Tudo pode ser considerado um autêntico artigo nerd. E agora vão os motivos.

Primeiramente, a novela gozou de uma extrema liberdade de abordagem de temas, pois, com a renovação do staff de escritores e diretores que ocorria na época, era necessário ousar para demarcar território. Essa liberdade de abordagem possibilitou que capítulos inteiros da novela discutissem em seus diversos núcleos (ou seja, utilizando diversas vozes sociais – pobres, ricos, emergentes, classe média, etc.) temas como transporte público, propina, suborno, inflação, déficit econômico, política nacional e emergência cultural. Todos esses temas mereceram, ao menos, um capítulo inteiro sem que houvesse ação na trama.

Outro tema bastante explorado foi o vício e o preconceito com relação a determinados personagens, refiro-me aqui a Helena Roitman e Thiago Roitman. Helena era alcoólatra e foi, durante a novela, ao fundo do poço, fazendo com que um nerd pensasse sobre como um vício poderia ser desmedidamente levado, ao mesmo tempo em que uma família mais abastada ignorava o problema até que houvesse um abismo entre ele e sua família (um tema recorrente na vida de um nerd – o abismo familiar).

Thiago Roitman, por seu turno, é também vítima de preconceito familiar. Um autêntico nerd, Thiago ficou, durante boa parte da trama, isolado em seu mundo de música clássica, cânone literário, cinema e desenvolvimento tecnológico – tudo o que um bom nerd gosta de fazer. Esse isolamento fez com que seu pai, Marco Aurélio, pensasse que ele fosse alguém com algum problema de comportamento. Como Marco Aurélio se afirmava como um conquistador, dentre outras características, ele interpretou o comportamento isolado de seu filho como um indício de homossexualidade (traduzindo para os leigos: Marco Aurélio era um galinha e pensou que seu filho fosse viado).

Durante vários episódios, o clima de tensão entre pai e filho aumentava, pois, por não entender o filho e por não ser direto e sincero em suas preocupações, o Vice-Presidente da TCA falava ao filho de maneira tensa e possibilitou deliciosas brigas em que nada era dito claramente, quase como um bom roteiro de um filme. A situação se resolve quando Thiago Roitman encontra Fernanda e consegue conquistá-la. Obviamente, o tema relacionamento nerd é abordado e vemos como é complicado para uma moça que não é nerd se relacionar a um nerd. As leitoras sabem bem do que estou falando, não?

Com relação a temas nerds, temos o computador sendo um empecilho para um dos personagens conseguir um novo emprego. Trata-se de Bartolomeu (pai de Ivan Meireles) que, a despeito de sua competência no jornalismo, é demitido por não conseguir lidar com a nova máquina que entrava nos jornais impressos de todo o Brasil e impregnava nossos profissionais em notícias com radiação direta em seus rostos (devemos lembrar que os monitores em 1988/9 eram de fósforo excitado – hum... delícia... - o que gerava uma superexposição ao elemento que incomodava a vista das pessoas). Logo, ele consegue emprego com assessor de imprensa na Paladar. Pelo fato de não se adaptar às novas tecnologias, Bartolomeu passa a trabalhar num local que não o agrada, mas o diverte – algo que é muito bem quisto pelos nerds de todo o mundo.

Além do centro da trama ser a corrupção e a política do favor, pudemos ver que vários temas muito próprios do mundo nerd de todos os dias já estavam problematizados em 1988/9, mas amanhã falaremos novamente do núcleo dos personagens, da trilha musical e do final da novela que apresenta mistério, ação e algo completamente atípico para os padrões atuais de um término de trama.

Inté...

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